Audiência pública debate problemas do Mercosul

Os problemas de integração no Mercosul foram debatidos, nesta segunda-feira, na audiência pública promovida conjuntamente pela Comissão Parlamentar do Mercosul, da Assembléia Legislativa/RS, e pela a Câmara de Vereadores de Uruguaiana. O encontro reuniu vereadores e prefeitos dos municípios fronteiriços do Rio Grande do Sul e do Paraná, além de lideranças do segmento ligado ao transporte internacional de cargas. A audiência resultou na aprovação da Carta de Uruguaiana, a qual será elaborada e entregue ao Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e ao presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS) em data a ser definida.
O documento vai resumir e apresentar as reivindicações das comunidades fronteiriças com relação à falta de tratamento isonômico dispensado no Mercosul, em especial pela Argentina. Uma das principais reivindicações dos participantes da audiência pública será o cumprimento dos acordos do Mercosul e o tratamento igualitário entre os integrantes do bloco econômico. A recente elevação em 100% do preço do óleo diesel para estrangeiros na zona de fronteira argentina foi amplamente discutida e considerada com uma discriminação aos brasileiros, ferindo o Acordo Internacional de Transportes Terrestres (ATIT).
Segundo o presidente da Câmara de Vereadores de Uruguaiana, vereador Rogério de Moraes (PT), cabe ao governo federal tomar uma posição sobre o tema que atinge o transporte internacional.
– A impressão que temos é que o governo federal tem sido frouxo nessa questão. A medida do governo argentino prejudicará o transporte internacional brasileiro, impedindo uma competição em igualdade. A fronteira de Uruguaiana concentra a maior parte do transporte internacional e queremos que os acordos sejam respeitados. Não podemos ser tratados como estrangeiros dentro do Mercosul – disse o vereador.
O presidente da Comissão do Mercosul da Assembléia Legislativa, Reginaldo Pujol (PFL), avaliou de modo positivo a mobilização ocorrida em Uruuguaiana. A audiência pública foi realizada com o plenário da Câmara Municipal lotado. Conforme Pujol, a presença do presidente da Associação das Câmaras de Vereadores do Oeste do Paraná, vereador Carlos Juliano Budel (PTB), demonstrou que os problemas transcendem a fronteira de Uruguaiana e dizem respeito ao Brasil.
– Nos posicionamos contra a omissão do governo federal. Não é porque a farinha de trigo seja subsidiada no Brasil que vamos criar um preço diferenciado para os Argentinos nas padarias brasileiras. Nesse sentido, é impensável o que o governo argentino faz com os combustíveis para os brasileiros. Tudo isso é um equivoco da burocracia que prejudica as comunidades de fronteira – declarou.

Situação atípica
O prefeito de Uruguaiana, José Sanchotene Felice, também participou da audiência e enfatizou que o Mercosul vive uma situação atípica com a diferenciação nos preços dos combustíveis para brasileiros na Argentina. Felice criticou a medida adotada pelo governo argentino.
– O fenômeno do preço dos combustíveis não deve excluir nosso respeito ao país vizinho. O aumento artificial de preços para os brasileiros não se sustentará. Os próprios argentinos reivindicarão a revogação da medida, porque ela interfere no comércio de fronteira da Argentina e no transporte internacional entre os dois países. Esse fato, certamente, gerará um tratamento compensatório por parte do Brasil. Não é possível que o transporte do Brasil sofra uma competição de transportadoras argentinas que se beneficiam de preços diferenciados. Para nós só restará a retaliação, se persistir essa posição do governo argentino. Essa decisão do governo argentino é burocrática e equivocada e deve ser mudada. A persistência desse equívoco vai fazer muito mal às nossas relações – disse Felice.
Os participantes da audiência ouviram o relato do presidente da Câmara de Vereadores de Foz do Iguaçu/PR, Carlos Juliano Budel (PTB), que se deslocou para Uruguaiana percorrendo rodovias argentinas. Budel disse ter se sentido discriminado ao abastecer em um posto de combustível argentino. Na audiência, Budel apresentou uma nota de abastecimento para comprovar o tratamento diferenciado que os brasileiros recebem nas estradas argentinas.
– Parabenizo os gaúchos por tomarem iniciativa nesta mobilização. Os gaúchos sempre estão a frente quando se procura lutar contra atos discriminatórios. O problema do preço diferenciado nos combustíveis é uma questão que precisa ser vista por Brasília porque nossas comunidades estão sendo prejudicadas – salientou.
O deputado estadual Frederico Antunes (PP) apresentou números sobre o transporte internacional brasileiro. Segundo o deputado, o país conta com 50 mil transportadores internacionais autônomos que serão diretamente prejudicados e perderão competitividade no setor do transporte internacional. Atualmente, cerca de 70% do transporte internacional de cargas entre o Brasil e a Argentina é feito por transportadores brasileiros.
– Já tivemos grandes diferenças com a Argentina, hoje temos pequenas diferenças. Temos um Tratado do Mercosul que ensejou acordos setoriais como o ATIT. O ramo do transporte internacional tem uma relevância importante para o PIB brasileiro. Temos 50 mil autônomos no transporte internacional do Brasil. Eles são pequenos e os mais prejudicados com as medidas restritivas. O Acordo de Transporte Internacional Terrestre (ATIT) tem como regra a isonomia – disse.

Defesa argentina
O cônsul Roberto Palarino, chefe do Consulado Geral da Argentina na região da Metade Oeste do Rio Grande do Sul, mostrou-se surpreso com as reivindicações dos transportadores e dos parlamentares brasileiros. Palarino esclareceu que os preços diferenciados se aplicam somente para a zona de fronteira. O cônsul disse ainda que, em 2005, o governo argentino notou um aumento no consumo de combustível em quantidades alarmantes na zonas de fronteira (cerca de 5.000%), o que motivou a medida de preços diferenciados.
– A Argentina subsidia o combustível para o transporte e para o setor rural. Não queremos prejudicar ninguém. Não se quer afetar ao transporte internacional brasileiro, apenas estamos retirando os valores subsidiados na zona de fronteira para os brasileiros. Fora da zona de fronteira que compreende 100 quilômetros, o valor do diesel será normal e o transportador brasileiro poderá ter o mesmo tratamento que o transportador argentino – declarou.
A defesa argentina, no entanto, foi rebatida pelo transportador José Carlos Becker, representante da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI). Segundo ele, cerca de 90% do transporte internacional brasileiro com a Argentina usa rodovias que estão compreendidas no perímetro da zona de fronteira.
– A medida foi anunciada 30 dias antes de ser implantada. Isso afeta os empresários que planejam sua atividade para atuar. Não podemos de uma hora para outra mudar a balança.

5 de setembro de 2006